Quem sou eu

São Paulo, Brazil
Sou professora universitária,mestre em Ciências da Comunicação, pela Universidade de São Paulo e atualmente ministro a disciplina de Ética. Este blog contém material de uso em minhas aulas, elaborado através de pesquisas bibliograficas, para consulta de alunos e outros interessados.

domingo, 30 de março de 2008

POLÍTICA E CIDADANIA - 3 A

Política e Cidadania

As relações humanas e o Poder

Convivendo com outros homens, os conflitos de vontades e interesses são sempre inevitáveis. No momento do impasse, que é uma luta entre diferentes desejos, um indivíduo quer impor ao outro a sua vontade. Normalmente quem vence esse conflito é aquele mais bem aparelhado: dependendo da circunstância, pode ser o mais forte, o mais inteligente, o mais jovem, o mais bonito...

A capacidade de transformar as vontades dos outros na sua vontade é aquilo que chamamos de poder. Numa primeira aproximação, o poder seria a capacidade de realizar qualquer ato ou ação; um aspecto importante é que ele pressupõe até mesmo a oposição, constituindo, então, a capacidade de superar essa oposição pela força, impondo-se a ela. De modo geral, o poder seria a potência para realizar determinado desejo ou vontade.

O jogo de poder apresenta-se, assim, como um jogo de vontades, no qual a vontade de um - o mais forte, por alguma razão - acaba se impondo sobre a vontade de outro ou outros. A noção de poder implica também a capacidade de ter suas ordens obedecidas. Aquele que é investido de poder - um indivíduo ou urna instituição - tem a chance e os instrumentos para potencializar suas vontades, transformando-as em atos.

Não podemos, entretanto, julgar que a ação do poderoso dá-se unicamente no sentido de subjugar e neutralizar a(s) vontade(s) alheia(s). Embora em casos bastante específicos a ação hegemônica do poder só seja possível por meio da neutralização das demais vontades - é o caso do totalitarismo, de modo geral, o poder age pelo convencimento e pela manipulação das vonta¬des alheias. Assim, em vez de agir pela neutralização das vontades, o poder age muito mais por meio de sua transformação; tornar o conjunto das vontades diferentes e tomá-las urna, a vontade do poderoso, com a qual os demais devem concordar.

Nessa visão clássica do poder, ele é compreendido como uma coisa que se concentra em determinados espaços de um grupo social: o lugar do poder é o Palácio do Governo, é a Câmara dos Deputados, ou mesmo o próprio corpo do rei, que a todos governa.
Se apenas um tem o poder, todos os outros indivíduos não têm poder algum: é urna sociedade servil. Mas de onde viria o poder desse indivíduo? Por que todos o obedecem?

Um filósofo do século XVI chamado Etienne de Ia Boétie, num pequeno livro, o Discurso da servidão voluntária, forneceu a pista para entender a charada: quando um indivíduo manda, seu poder vem não dele mesmo, mas dos outros que se submetem. De sua perspectiva, o que sustenta o tirano não é a sua própria autoridade, mas a entrega dos súditos, isto é, a dominação só é possível com o concurso direto dos próprios dominados. Segundo ele, em torno do tirano constrói-se urna rede de interesses. O tirano tem 6 assessores diretos, cada um deles tem mais 60 empregados e assim por diante, de modo que toda a sociedade acaba envolvida nessa rede de interesses.

Desse modo, o que garante o poder do tirano é uma rede de micro-poderes e interesses que se constrói a sua volta, o que, ao invés de enfraquecer esse poder central pela diluição, fortalece-o, sendo seu próprio sustentáculo e sua própria garantia.

Mas, se os indivíduos se recusarem a servir, acaba o poder do tirano. Portanto, a sociedade servil depende do consentimento dos indivíduos; se eles resolverem não mais obedecer a um rei e solucionar seus próprios problemas políticos, eles podem construir novas formas de relação social.


A política

Ao decidir fazer algo, o ser humano deve levar em conta seus interesses. O interesse é o objetivo que a decisão poderá alcançar. Por exemplo: quando alguém decide estudar, acredita que, com um nível mais alto de conhecimento, poderá conseguir uma ascensão, seja profissional, social ou interior. Esse mesmo alguém prefere o estudo ao analfabetismo. Estão implicados nesta ação o interesse em ascender e a decisão de se alfabetizar. Em filosofia, isso é o que chamamos de valor.

Todo ato humano está fundamentado em determinados valores, em determinados interesses; para dizer de outra maneira, sempre que fazemos alguma coisa, temos em mente algum objetivo a ser alcançado com aquela ação.

Até aqui, a discussão se fez em um nível particular. A discussão sobre a orientação das ações humanas em caráter particular é chamada de ética; é ela quem pode nos ensinar a bem conduzir nossas vidas. Mas, quando alguém procura conduzir a um público maior seu interesse e sua decisão, a fim de que esse público se engaje, ele está exercendo aquilo que denominamos de política.

Se a ética é a reflexão sobre a fundamentação dos atos humanos em sua particularidade - isto é, no que diz respeito à vida privada de cada indivíduo -, a política é a reflexão sobre os atos humanos que se cometem em sociedade, na vida pública. O engajamento do público se dará pelos interesses que estiverem em jogo.

Portanto, política é a tomada de decisões que visem objetivar interesses que irão refletir na coletividade. Deve ficar claro para você que ética e política devem sempre andar juntas, pois, se vivemos em sociedade, é muito difícil distinguir se determinadas ações que fazemos terão conseqüências apenas privadas ou se estenderão para outras pessoas, na esfera pública. Apenas um exemplo: se alguém decide estudar para conseguir certa ascensão social, isso não diz respeito apenas a essa pessoa; para a coletividade, faz muita diferença tornar parte dela um indivíduo analfabeto ou um indivíduo bem formado.

No momento em que se fala sobre política, logo vem à mente o governo. Faz-se a relação de que fazer política é governar. Se pensarmos assim, apenas poucas pessoas "fazem política". Mas será que, de fato, a política é apenas exercida na esfera do governo?

Também se fala muito que vivemos sob a forma de governo chamada democracia. Abrimos um jornal ou uma revista e lá está essa palavra estampada. Na televisão e no rádio também se diz muito sobre ela. Mas que coisa é essa? O que é a democracia? Você já pensou a respeito?

A democracia

Vamos recuar um pouco no tempo e dar uma olhada na polis grega, que foi a primeira experiência histórica de democracia.

Os gregos, que no início eram tribos de pastores nômades, aos poucos foram se fixando em determinadas regiões, quando começaram a dominar as técnicas da agricultura e da pecuária. Como os demais povos antigos, começaram a constituir as cidades que, na sua língua, chamaram de pólís. Mas as cidades antigas eram um tanto quanto diferentes das nossas, pois eram unidades políticas autônomas.

O que significa isso? Ora, a cidade na qual você mora não tem autonomia política; ela pode criar algumas leis, mas está submetida a uma série de leis estaduais, sendo que os Estados brasileiros, por sua vez, estão submetidos a leis federais. Nos dias de hoje, os países são as unidades políticas autônomas. No tempo dos gregos antigos, era como se cada cidade fosse um verdadeiro país, pois ela criava suas próprias leis. Por exemplo: uma lei válida em Atenas poderia não existir em Esparta ou em Delfos.

A convivência entre os indivíduos, o envolvimento com os negócios relativos à administração da cidade, da pólís é o que eles chamavam de política. Muitas formas os gregos criaram para administrar a cidade, dependendo de como as pessoas se envolviam com essas atividades. Quando apenas uma governava, chamavam de monarquia; quando era um grupo maior de pessoas que se envolvia com a administração, chamavam de aristocracia. Num certo período da história de Atenas, uma das principais cidades gregas, por volta do ano 500 a.c., um legislador chamado Clístenes resolveu fazer uma reforma radical, fazendo com que todos os cidadãos se envolvessem com as atividades de administração da cidade.

Clístenes fez uma arrojada divisão do território de Atenas, sendo que a cada unidade regional básica ele chamou de demos. Dos 30 demos que compunham a cidade eram sorteados os indivíduos que participariam dos diversos conselhos administrativos, encarregados da criação das leis e de sua execução. A aprovação das leis era feita pela Assembléia, que se reunia uma vez por mês e da qual poderiam participar todos os cidadãos. O nome democracia significa, portanto, governo de demos, e não exatamente governo do povo como normalmente se diz.

Se as decisões eram tornadas nas Assembléias, os homens precisavam exercer seu poder de persuasão nos debates realizados em praças públicas. O resultado desses debates eram decisões que refletiam na vida de todos os habitantes da pólis. Para fazer valer seus interesses, um indivíduo precisava dominar com perfeição as artes da retórica e da oratória, para convencer os demais a votar naquilo que ele defendia. Nesse momento, quando os homens tentavam convencer uns aos outros sobre determinadas coisas, estavam em pé de igualdade. A igualdade que todos tinham de falar para a pólis na Assembléia.

Entretanto, um último detalhe histórico é necessário: nesse período, a cidade de Atenas contava com urna população de aproximadamente 400 mil pessoas. Mas nem todas eram cidadãs: os 200 mil escravos não eram considerados nem como gente; os 100 mil estrangeiros e mais as 60 mil mulheres e crianças não tinham direitos políticos. Eram cidadãos apenas 40 mil indivíduos livres do sexo masculino. E eram esses 10% da população que participavam da administração da cidade.

Na Idade Moderna, quando as revoluções burguesas colocam fim ao regime feudal da Idade Média, a democracia volta à cena: é esse regime que será implantado como o melhor meio de governar, em oposição à monarquia que havia predominado até então. Mas agora já não existem escravos e a unidade política passou a ser o país (ternos o Estado-nação e não mais a cidade-Estado), o que permite que mesmo as pessoas nascidas em outras cidades tenham direitos políticos. Como garantir então a participação de todos? A noção moderna de democracia como acesso de todos os indivíduos à administração da sociedade passa pela questão da representatividade. Clístenes criou em Atenas urna democracia direta ou participativa (todos os cidadãos participavam diretamente da administração), ao passo que a modernidade colocou a idéia de urna democracia representativa, isto é, um sistema no qual os indivíduos elegem urna certa quantidade de pessoas que vão representar seus interesses nos assuntos de administração da sociedade.

A idéia é a seguinte: a ação democrática consiste em todos tornarem parte do processo decisório sobre aquilo que terá conseqüência na vida de toda a coletividade. Quem pode dizer o que é bom para todos? Aquele mesmo que irá provar - o próprio ser humano. Se não de forma direta, pelo menos por meio de seus representantes, desde que ele se mantenha ativo e vigilante, acompanhando o trabalho daqueles que elegeu.

Mas a democracia representativa, se supostamente garante o acesso de todos aos mecanismos do poder, também possibilita o fenômeno da marginalização.


A marginalização política

Vamos nos reportar novamente ao isolamento. Os marginalizados políticos se retiram do processo decisório e se afastam dos demais. Abdicam do direito de falar sobre assuntos de interesse coletivo. É a instituição do silêncio político. Eles o fazem porque acreditam que assim poderão resolver melhor seus problemas particulares. Na época das eleições, desligam a TV na hora do horário eleitoral gratuito, ou a deixam ligada sem prestar atenção ao que os sujeitos dizem. No dia de votar, cumprem com seu dever votando em qualquer um, pois tanto faz: "São todos iguais, mesmo."

Temos o abandono das questões públicas e a excessiva preocupação com as questões particulares. Cria-se um amontoado de indivíduos que buscam tão somente voltar seus olhos para si mesmos. Nesse amontoado, ninguém se propõe a falar. O único conselho dado é não aconselhar. Esses indivíduos não se preocupam em votar em alguém que possa representar seus interesses e suas necessidades no governo.

E parecem não perceber que, queiram ou não, vivem em meio a outros indivíduos, o que significa que sua vida depende dos outros e que aquilo que ele fizer também influenciará nas vidas alheias.
O que significa isso? Relembrando que viver é acima de tudo conviver, a esfera pública sempre vai existir. Se sempre existirá, alguém estará se ocupando dela. Quanto menos as pessoas participarem da política mais os interesses daqueles que se ocuparam da esfera pública irão prevalecer. As decisões a serem tomadas serão baseadas nesses interesses particulares, e não visando aos interesses coletivos.

O silencioso político, queira ou não, perceba isso ou não, assume o que foi decidido pelos outros, sem nem mesmo colocar a público seu interesse. Portanto, assume a obediência e abdica da auto-direção. Herda o status de governado e não o de governante. Quem prioriza em demasia suas questões particulares, priva-se da autodeterminação.

Mas as engrenagens da máquina de governo democrática não param de funcionar apenas porque algumas pessoas - mesmo que sejam milhares ou milhões - não dão atenção a elas. Elas continuam a fabricar as leis e os mecanismos sociais por meio daqueles, mesmo que sejam poucos, que estão participando. Mas é claro que estará funcionando segundo as idéias e os interesses dos que participam e não daqueles que se omitem.

A democracia representativa permite ao indivíduo se esconder atrás de si mesmo e não participar, porque assim ele se exime da responsabilidade pelas questões políticas. É mais fácil afirmar que a questão da inflação é um problema do governo, que são os "políticos" que precisam resolvê-la.

Mas esses indivíduos se esquecem de que a inflação tem conseqüências sérias na sua vida particular, e que ele jamais poderá dar conta delas sozinho. As questões públicas são responsabilidade de todos nós e, mesmo que alguns indivíduos tenham sido eleitos para cuidar delas, não basta que eles ajam, é necessário que cada um de nós, como membro dessa sociedade, faça a sua parte por menor que seja.


A ação Cidadã

Ao trazer à tona o fato da marginalização política, podemos perceber que ela se volta contra o próprio ser humano. Quando os indivíduos se recusam a participar das decisões sociais, estão se recusando a decidir sobre suas próprias vidas. Estão aceitando que os problemas que dizem respeito a suas vidas sejam pensados e resolvidos por outras pessoas. Estamos, então, cara a cara com urna sociedade servil.

Atestado o problema, é imperativo que se encontre a solução. Essa solução é a participação dos cidadãos nas questões públicas. Entenda-se aqui cidadão como urna categoria de mobilização e não de localização. Para os gregos antigos, o político era aquele que participava dos negócios da pólis. Quando a cultura grega foi assumida e difundida pelos romanos, que falavam latim, a pólis virou a cive em sua língua. É da palavra latina cive que se origina a palavra cidade, no português, e é também dela que vem a palavra cidadão. Portanto, cidadania é sinônimo de política no sentido grego, assim como cidadão e político são a mesma coisa.

O cidadão não espera que o outro lhe dê as condições necessárias para participar, pois essas condições brotam de si mesmo. É a autodeterminação. O cidadão sabe que é preciso buscar; é preciso conquistar. É uma ação que não se acaba. O cidadão é sobretudo o participante.

Para ter urna participação política efetiva, os cidadãos devem se organizar para a defesa de interesses comuns, adquirindo vez e voz. Estamos nos referindo à passagem do servilismo para o exercício da autêntica destinação da vida.

Pela associação de todos os cidadãos, manter-se-á viva a noção de que o ser humano convive e far-se-á a defesa da democracia como a forma de governo que permite essa efetiva participação. E, com ela, os membros da sociedade não esperarão o chamamento, pois estarão participando por livre e espontânea vontade. Sílvio Gallo.

A RELAÇÃO ENTRE ÉTICA, VIRTUDES E VÍCIOS.

ENTENDENDO AS VIRTUDES E OS VÍCIOS

As virtudes e os vícios estão relacionados ao que chamamos de Doutrina da Moral e fazem parte dos valores éticos de uma sociedade. Estes, por outro lado são um conjunto de ações éticas que auxiliam o indivíduo a tomar decisões, fazer escolhas em sintonia com os princípios da sociedade onde vive.

A virtude é considerada uma qualidade moral particular, isto é: É definida por um grupo social, de acordo com os valores vigentes de uma determinada sociedade e é externada individualmente.

O vício é a desaprovação de uma atitude que significa falha ou defeito frente aos valores vigentes de uma determinada sociedade e também é externada individualmente.

De acordo, com Aristóteles Aa virtude é " Uma disposição habitual e firme para fazer o bem". E, praticar a virtude é antes, de mais nada: " Preferir a justiça e a verdade".

Se o agir virtuoso é fazer a escolha pela justiça e a verdade podemos entender que o agir vicioso é uma tendência habitual para certo mal, sendo o oposto da virtude.

Ainda com de acordo, com o filósofo, os excessos da virtude - qualidade , tornam-se em vícios como também às deficiências da qualidade atribuída a virtude resultam em vícios.

EX: Coragem é uma qualidade, uma virtude que em excesso pode levar o indivíduo a ter atitudes temerárias como também por falta desta - coragem, torná-lo covarde em suas atitudes.

O Filosofo ainda afirmava que tanto as virtudes quanto os vícios podem ser adquiridos ou moldados por meio do hábito. As virtudes se aperfeiçoam, de acordo com Aristóteles.

PORTANTO:
OS VÍCIOS E AS VIRTUDES FAZEM PARTE DOS VALORES ÉTICOS! E A VIRTUDE É UM TRAÇO DE CARÁTER VALORIZADO SOCIALMENTE.

domingo, 9 de março de 2008

ÉTICA E CIVILIZAÇÃO - 2A

ÉTICA E CIVILIZAÇÃO

A FELICIDADE

Os seres humanos agem conscientemen­te, e cada um de nós é senhor de sua própria vida. Mas como resolvemos o que fazer? Você em algum momento já pen­sou em como você toma as decisões sobre o que fazer em determinada situação? Você age impulsivamente, fazendo "o que der na telha" ou analisa cuidadosamente as possibilidades e as conse­qüências, para depois resolver o que fazer?

A filosofia pode nos ajudar a pensar sobre nossa própria vida. Chama-se ética a parte da filosofia que se dedica a pensar as ações humanas e os seus fundamentos. Um dos primeiros filósofos a pensar a ética foi Aristóteles, que viveu na Grécia no século IV a.c. Esse filósofo ensinava numa escola à qual deu o nome de Liceu, e muitas de suas obras são resultado das anotações que os alunos faziam de suas aulas. As explicações sobre a ética foram anotadas pelo filho de Aristóteles chamado Nicômaco, e por isso esse livro é conhecido por nós com o título de Ética a Nicômaco.

Em suas aulas, Aristóteles fez uma análise do agir humano que marcou decisivamente o modo de pensar ocidental. O filósofo ensinava que todo conhecimento e todo o trabalho visa a algum bem. O bem é a finalidade de toda a ação. A busca do bem é o que difere a ação humana da de todos os outros animais

Ele perguntou: Qual é o bem mais alto de todos os bens que se podem alcançar pela ação? E como resposta encontrou: a felicidade. Essa resposta formulada pelo filósofo encontra eco até nossos dias. Tanto o homem do cotidiano como todos os grandes pensadores estão de acordo que a finali­dade da vida é ser feliz. Identifica-se o bem viver e o bem agir com o ser feliz.

No entanto, disse Aristóteles, a pergunta sobre o que é a felicidade não é respondida igualmente por todos. Cada um de nós responde de uma forma singular. Essa singularidade na resposta é partilhada por outros indivíduos com os quais convivemos. Portanto, no processo de nossa educação familiar, religiosa e escolar aprendemos a identificar o ser feliz com os valores que sustentam nossas ações.

Toda produção histórica dos seres humanos consiste em criar con­dições para que o homem seja feliz. Todas as religiões, as filosofias de todos os tempos, as conquistas tecnológicas, as teorias científicas e toda a arte são criações humanas que procuram apresentar condições para a conquista da felicidade.

O processo civilizatório iniciou-se com a pro­messa da felicidade.




RACIONALIDADE E LIBERDADE

O mesmo Aristóteles caracterizou os hu­manos como seres racionais que falam. A dimensão anímica ou psíquica (psiqué = alma) dos humanos foi concebida pelo filósofo como um composto de duas par­tes: uma racional e a outra privada de razão. A primeira expressa-se pela atividade filosófica e matemática. A segunda, por seus elementos vegetativos e apetitivos. Isso permitiu a hierarquização dos seres vivos.

Pela segunda parte da alma, somos iguais a todos os outros animais. Movidos pelos instintos primários (fome, sede, sono, reprodução), somos guiados pela necessidade de sobrevivência. Todos os seres vivos têm em comum um problema único a resolver: como sobreviver.

Necessitamos de alimentos para aplacar nossa fome; de água para saciar a sede; dormir para descansar o organismo; nos reproduzir por meio da atividade sexual e assim perpetuar a espécie. Mas o que nos diferencia dos outros animais? Segundo Aristóteles, é a racionalidade. Nós somos capazes de planejar nossas ações, de realizar escolhas e julgá-Ias, determinando seu valor. Agimos acreditando que estamos fazendo o bem e, mesmo quando julgamos mal nossas ações, é sempre o bem quem estabelece o critério de tal julgamento.

Assim, os seres humanos identificam-se como tais pelas distinções que são capazes de estabelecer com os outros animais e, por conseguinte, com todo o reino da natureza. Os seres humanos definem-se pela capacidade de pensar, falar, trabalhar e amar. Ainda com Aristóteles, podemos identificar três coisas que controlam a ação: sensação, razão e desejo. A primeira não é princípio para julgar a ação, pois também os outros animais possuem sensa­ção, mas não participam da ação.

A ação é um movimento deliberado, isto é, a origem da ação é a escolha. Os homens diferem dos demais animais porque são capazes de realizar escolhas. O desejo está na raiz dessas escolhas; a razão é o seu guia. Para Aristóteles, o desejo é a força motriz, o impulso gerador de todas as nossas ações. Mas essa força motriz deve seguir o curso traçado pela razão. A razão guia, conduz o desejo ao encontro de seu objeto.

Realizar escolhas é eleger objetos para o desejo. O critério das escolhas é sempre racional. O motivo é sempre emocional, ou seja, impulsionados pelo desejo, movemo-nos em direção aos objetos. Nesse sentido, a capacidade racio­nal de realizar escolhas permite-nos afirmar nossa condição de liberdade.

O exercício da liberdade é a capacidade de escolher. Nisso os humanos podem se desviar do determinismo que rege o mundo da natureza. Os animais jamais podem escolher. Suas ações são determinadas pelo padrão genético de suas espécies. Quando olhamos um filhote de cachorro, por exemplo, somos capazes de dizer seu comportamento futuro. Ao olhar para um bebê é impossível prever seu comportamento, suas ações e suas intenções.

É a escolha que define o caráter de um ser humano. Suas virtudes se manifestam nas escolhas que realiza no curso de sua condição mortal. Aqui se apresentam algumas questões éticas de grande relevância:
· Quais os critérios que norteiam as escolhas que um homem faz em sua vida?
· Quais são os valores que pautam as suas ações?
· Quais objetivos pretende atingir e com quais meios efetivará sua realização?

Afirma-se que toda ação deve ser justa e boa. Mas, o que determina a justiça e a bondade?
· O que é ser justo?
· O que é ser bom?


No exercício da liberdade, cada um de nós se relaciona com os outros indivíduos e dessas relações emerge a realidade social.

Chamamos sociais nossas relações com os outros no mundo. A sociedade é uma construção histórica pautada numa lei fundamental: é proibido matar o semelhante.

Civilização e valores

A civilização parece não respeitar a lei fundamental que criou para que pudesse existir: É proibido matar! Se existem prá­ticas homicidas, os critérios de bondade e justiça não são cumpridos. Os assassina­tos revelam o conflito irremediável entre a liberdade e a lei. A lei foi construí­da para garantir o exercício da liberdade. No entanto, acaso deveríamos julgar livres os indivíduos que praticam crimes? Seriam eles livres em suas ações ou não?

O critério de justiça determina a prisão (perda da liberdade) para quem cometer homicídio. Mas por que só os pobres são conO critério de justiça denados à prisão? Por que os chamados “crimes de colarinho-branco" não são punidos com a prisão? Observe que essas questões remetem ao campo da reflexão ética.

Em 1930, um médico vienense chamado Sigmund Freud - o criador da psicanálise - publicou um livro com o sugestivo título O mal-estar na civilização. Nessa obra, Freud fez um diagnóstico do processo civilizatório e constatou que os seres humanos estão condenados a viver nesse conflito irremediável entre as exigências pulsionais (a liberdade) e as restrições sociais (as leis).

Freud retoma a clássica questão aristotélica que atravessa toda a histó­ria ocidental: O que os homens pedem da vida e o que desejam nela realizar? A resposta é categórica: a felicidade. Os homens querem ser felizes e assim permanecer. Toda ação tem em vista a conquista da felicidade.

Para analisar por que nos afastamos desse propósito, Freud apresenta uma reflexão decisiva para pensarmos a Ética civilizatória como promessa de felicidade:

"Grande parte das lutas da humanidade centraliza-se em torno da tarefa única de encontrar uma acomodação conveniente - isto é, uma aco­modação que traga felicidade - entre essa reivindicação do indivíduo (liber­dade) e as reivindicações culturais do grupo (leis), e um dos problemas que incide sobre o destino da humanidade é o de saber se tal acomodação pode ser alcança da por meio de alguma forma específica de civilização (religião, ciência filosofia, arte ou se esse conflito é irreconciliável" (p. 116).

A posição de Freud é clara: o conflito é irremediável.

A tarefa da civilização é humanizar esse animal racional chamado homem.

Acompanhando os argumentos de Freud na obra citada, podemos encontrar elementos para caracterizar o processo civilizatório construído pelos seres humanos. A civilização é concebida como tudo aquilo por meio do que a vida humana se elevou acima de sua condição animal. Os humanos são seres da cultura. A cultura é a morada do homem. O acesso aos bens culturais produzidos em toda a história é o que define nossa condição huma­na.

O homem é um animal cujo maior desejo é tornar-se humano.

A elevação apontada por Freud é o que nos diferencia dos outros animais. A vida humana difere da vida dos animais em dois aspectos: os conhecimentos e as capacidades adquiridas para controlar as forças da natu­reza; e os regulamentos (leis, normas, regras) para ajustar as relações dos homens uns com os outros.

Na luta pela sobrevivência em um mundo sombrio e assustador, o animal teve de enfrentar três grandes desafios: o poder superior da natureza, que nos ameaça com forças de destruição; a fragilidade de seu próprio corpo, condenado à dissolução; e as leis que regulam suas ações sociais. Os conhecimentos científicos e tecnológicos procuram responder- a esses desafios. As práticas religiosas, os sistemas de crenças também. As teorias filosóficas e as produções artísticas inserem-se nessa tarefa de encon­trar caminhos para esses desafios humanos.

A conclusão derradeira de Freud é que: "a civilização tem de ser defen­dida contra o indivíduo e que seus regulamentos, suas instituições e suas ordens dirigem-se a essa tarefa (...) fica-se assim com a impressão de que a civilização é algo que foi imposto a uma maioria resistente por uma minoria que compreendeu como obter a posse dos meios de poder e coerção" (p. 117).

Todos nós estamos submetidos ao processo civilizatório. Desde o nascimento até a morte, somos atravessados pelos critérios que sustentam a civilização: o bem e a justiça.

Finalmente, como relacionar ética (instância individual) e civilização (instância coletiva)?

A ética, pensada no campo da lei, leva-nos à mesma conclusão de Freud. Ao obter a posse dos meios de poder e coerção, uma minoria impõe seus valores à grande maioria que resiste. O poder é concebido como essa imposição de uma minoria à grande maioria.

Mas a conclusão de Freud nos permite pensar o poder também como resistência por parte da maioria. Nesse caso, o Estado aparece como o grande gerenciador desse conflito, por meio de seu sistema de leis e práticas de coerção (prisão, por exemplo).

Há também outra possibilidade de pensarmos a ética: como exercício estético. Em meio a esse conflito irreconciliável entre as exigências indivi­duais por liberdade e as restrições impostas pelo regulamento social, pode­mos criar condições para instaurar uma ética da beleza: fazer da vida uma obra de arte, criar condições para que cada um produza sua própria vida como quem esculpe o mármore ou pinta uma tela. O mármore ou a tela seriam as imposições / restrições impostas pela civilização e das quais não podemos escapar, mas, como sujeitos de nossa vida, podemos esculpir/pintar com o formão e o pincel de nossa liberdade, construindo nossa própria existência.

Silvio Gallo, em Ética e Cidadania : Caminhos da Filosofia.

Postado

Cynthia Mello Ferrari




Reflexionando com Caetano e Gilberto Gil: PANIS ET CIRCENSE- 2A

PANIS ET CIRCENSE
Música e letra de Caetano Veloso e Gilberto Gil

Eu quis cantar
Minha canção iluminada de sol.
Soltei os panos sobre os mastros no ar.
Soltei os tigres e leões nos quintais.

Mas as pessoas da sala de jantar.
São ocupadas em nascer e morrer.

Mandei fazerDe puro aço luminoso punhal.
Para matar o meu amor e matei.
Às 5 horas na Avenida Central.

Mas as pessoas da sala de jantar.
São ocupadas em nascer e morrer.

Mandei plantarFolhas de sonho no jardim do solar.
As folhas sabem procurar pelo sol.
E as raízes, procurar, procurar.

Mas as pessoas da sala de jantar.
Essas pessoas da sala de jantar.
São as pessoas da sala de jantar.
Mas as pessoas da sala de jantar.
São ocupadas em nascer e morrer.


Postado por:

Cynthia Mello Ferrari